quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Inspeção veicular - A polêmica continua


MP quer anular processo licitatório.


Tribuna do Norte. Ricardo araújo - repórter

O Ministério Público Estadual ajuizou, na última terça-feira (1º), uma ação civil pública com cópia de pedido de tutela antecipada contra os órgãos envolvidos nos serviços de inspeção veicular no Rio Grande do Norte – Detran, Idema, Inspar e o próprio governo estadual – no qual solicita a anulação do processo licitatório que deu origem ao contrato com o consórcio Inspar. Ontem, a Juíza de Direito, Valéria Maria Lacerda Rocha, da 1ª Vara da Fazenda Pública, expediu mandato de intimação ao procurador-geral do Estado, Miguel Josino, a se pronunciar num prazo de 72 horas acerca da liminar pedida pelo MPE.

aldair dantasOnofre Neto: “Não foram respeitadas especificidades regionais e outras orientações do Conama”
Onofre Neto: “Não foram respeitadas especificidades regionais e outras orientações do Conama”
O processo de ação civil pública, composto por mais de 900 páginas, foi elaborado por uma equipe de seis promotores e publicado no site do Tribunal de Justiça, ontem à noite. Assinada pelos promotores Sérgio Luiz de Sena (Defesa do Consumidor), Sílvio Ricardo Gonçalves de Andrade Brito e Afonso de Ligório Bezerra Júnior (ambos da Defesa do Patrimônio Público), Jann Polaceck Melo Cardoso (Combate à Sonegação Fiscal), Oscar Hugo de Souza Ramos (Defesa da Cidadania) e Rossana Mary Sudário (Defesa do Meio Ambiente), desfavorece o Estado, representado pelo procurador geral, Miguel Josino, além do Detran, Idema e do consórcio Inspar. 

Dos fatos citados pela equipe para a elaboração do documento e solicitação de anulação do processo licitatório que deu origem ao contrato com a Inspar, constam as reclamações de consumidores apresentadas na Promotoria de Defesa do Consumidor. Somado a este, a equipe apontou os valores cobrados pela inspeção e selo eletrônico, além das incoerências entre as Lei Estadual 9.270/09 e os Decretos Estaduais 16.511/02 e 21.542/10, julgados pelos promotores como inconstitucionais.

Julgada como “um descalabro ao erário e ao patrimônio das pessoas”, pelos oficiais do Ministério Público, a inspeção veicular sobre emissão de gases teve seu início suspenso no início de janeiro. A recomendação do Procurador Geral de Justiça, Manoel Onofre Neto, foi acatada pela governadora Rosalba Ciarlini, face ao impacto e repercussão das reportagens veiculadas pela TRIBUNA DO NORTE. 

Questionado sobre a decisão da juíza Valéria Maria Lacerda Rocha, o procurador-geral do Estado, Miguel Josino, afirmou que ainda não havia sido comunicado oficialmente sobre a intimação e por isso, evitou comentar o andamento da revisão que a Procuradoria Geral do Estado vem fazendo sobre o processo de implantação do Plano de Controle de Poluição Veicular (PCPV) no Estado. 

Miguel Josino admitiu, apenas que “a recomendação que seria feita à governadora Rosalba Ciarlini poderá mudar com a decisão da juíza Valéria”. 

Inquérito do MP relaciona quinze irregularidades

O inquérito conduzido pela equipe de promotores estaduais, base da ação civil pública pedindo a tutela antecipada para anular a inspeção veicular sobre emissão de gases no Rio Grande do Norte, relaciona 15 irregularidades, consideradas mais graves, no processo de criação do Plano de de Controle de Poluição Veicular (PCPV) e na implantação do programa de inspeção, entregue pelo governo do Estado ao consórcio Inspar. Sem deixar de citar contradições com jurisprudência do STF, inconstitucionalidades, a nulidade da concorrência, vícios e falhas no estudo que embasou o programa de inspeção, a análise dos promotores desmonta toda a argumentação possível a favor da manutenção do PCPV após o prazo de suspensão de 45 dias (a vencer em  21/02) adotado pelo governo.

Um dos primeiros problemas citados, pelos promotores, é a inspeção veicular, bem como a implantação do selo de identificação, serviços de natureza compulsória que configuram o “exercício regular do poder de polícia do Estado na fiscalização da frota automotiva”. Tais serviços, segundo a Constituição Federal, estão sujeitos a taxas – cujo débito deve ser constituído para o Estado - e não tarifas que são dividas com prestadores de serviços privados. 

Sobre a legalidade da licitação, o MPE alerta que não foram cumpridas exigências da lei 8.987/95 (art. 5º publicar, previamente o edital de licitação, ato justificando a conveniência da outorga de concessão ou permissão, caracterizando xobjeto, área e prazo) e, ainda mais grave, proibição contida no paragrafo 3º/art. 9] da lei 8.666/93.

O artigo 9º da 8.666/93 regulamenta quem “não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários”. O parágrafo em questão afirma que “considera-se participação indireta, para fins do disposto neste artigo, a existência de qualquer vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira ou trabalhista entre o autor do projeto, pessoa física ou jurídica, e o licitante ou responsável pelos serviços, fornecimentos e obras, incluindo-se os fornecimentos de bens e serviços a estes necessários”.

Na origem do processo que deu ao consórcio Inspar os direitos de explorar a inspeção veicular sobre emissão de gases no RN está um estudo financiado e viabilizado pela empresa Inspetrans, integrante do consórcio Inspar. O estudo foi realizado através da Funpec/UFRN e pago pelo Inspetrans, segundo testemunhos do professor Francisco de Assis Oliveira Fontes e do diretor do Inspar George Olimpio (veja fac-simili nesta página), contrariando a lei.

A participação do Inspetrans foi um dos temas abordados nas reportagens da Tribuna do Norte sobre as dúvidas existentes em torno da necessidade de implantação da inspeção veicular para toda a frota do RN e sobre o processo que culminou com a contratação do consórcio Inspar pelo governo do Estado, via o Detran. 

O estudo foi feito por amostragem em ônibus que circulam na capital e por isso, considerado incompleto e arrolado pelo MPE como uma das irregularidades. Os promotores ainda apontam que o PCPV, sem uma análise mais aprofundada da frota de veículos, da situação e características da qualidade do ar e da emissão de gases poluentes em cada município potiguares, deixou de atender diversas recomendações do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) para a implantação da inspeção veicular e do programa de controle. Tudo pareceu, ao MPE, “um verdadeiro descalabro ao erário e ao patrimônio das pessoas”, como escrito na ação civil pública. 

Reportagens da Tribuna foram anexadas à ação

Os questionamentos levantados por leitores, a partir das primeiras reportagens que convocavam os proprietários de veículos a realizarem a inspeção, motivaram a TRIBUNA DO NORTE a buscar respostas a partir de um trabalho jornalístico e investigativo. Para esclarecer o que era a inspeção veicular e como esse contrato foi alinhavado entre o Detran/RN e o consórcio Inspar, as equipes de reportagem descobriram que o negócio renderia à empresa cerca de R$ 1 bilhão durante os 20 anos de vigência do contrato. Arrecadação que ficaria exclusivamente com o consórcio Inspar.

À medida que o assunto era investigado, novos questionamentos surgiam. Entre eles os conflitos entre o que regem as normas do Conama e o que, de fato, foi considerado pelo Consórcio e Detran para validar a necessidade de adotar a inspeção veicular. Uma das exigências do Conama era a realização de um estudo sobre qualidade do ar, algo que não constava na documentação apresentada à então governadora Wilma de Faria. Ainda assim, o contrato foi validado via licitação.

As investigações feitas pela reportagem da TRIBUNA DO NORTE também chamaram a atenção que, segundo o Conama, a inspeção aplicava-se àqueles estados onde comprovadamente a qualidade do ar apresentava elevados índices de poluição; ou a frota fosse superior a três milhões de veículos.

Mas dados oficiais do Inpe mostram que Natal, por exemplo, tem um dos melhores índices de qualidade do ar entre os estados brasileiros. E uma frota inferior àquela apontada pelas normas — atualmente são cerca de 700 mil veículos em todo o Estado.

Os questionamentos em relação à origem da licitação — que resultou no contrato entre o consórcio Inspar e Detran/RN — e a denúncia oferecida à Procuradoria Geral de Justiça do RN levaram o procurador geral Manoel Onofre Neto a recomendar à governadora pela suspensão da vistoria de inspeção por um período de 45 dias. Recomendação acatada através do decreto nº 22144, de 7 de janeiro de 2011, mantendo os serviços suspensos até o dia 21 de fevereiro.

Questionado sobre a decisão de suspender o processo e adiar o início dos testes nos veículos, Onofre Neto afirmou que o Plano de Controle de Poluição Veicular não foi realizado com base em elementos técnicos. “Não foram respeitadas as especificidades regionais e outras orientações que o próprio Conama estabelece”.

Durante as investigações da TRIBUNA DO NORTE, ficou constatado que o consórcio Inspar utilizou-se de um estudo realizado por um aluno de mestrado do curso de Engenharia Mecânica da UFRN — o estudo considerou a amostragem em uma parcela da frota de ônibus da capital — para justificar a necessidade de realização da inspeção veicular no RN.

Às vésperas do início da inspeção veicular, prevista para o dia 10 de janeiro deste ano, a Inspar ainda não detinha o credenciamento junto ao Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea-RN).

Diante da recomendação do Ministério Público Estadual ao Governo do Estado para que suspendesse o início das vistorias, a governadora Rosalba Ciarlini solicita ao procurador geral do Estado, Miguel Josino, uma análise jurídica de todo o processo que culminou com o contrato entre o Detran-RN e o consórcio Inspar. O Ministério Público Estadual anexou à ação remetida à Justiça, reportagens da TRIBUNA DO NORTE que apontavam incoerências ao longo do processo de licitação.

Cronologia

10/12/2010 — o procurador jurídico do Detran-RN fala sobre regulamentação e calendário da inspeção. É uma das primeiras abordagens sobre a obrigatoriedade do serviço.

23/12/2010 — Ministério Público toma conhecimento e pede os primeiros esclarecimentos quanto à definição para inspeção.

05/01/2011 — Reportagem da TRIBUNA aponta que Inspar vai arrecadar R$ 81,6 milhões/ano; e que todo o dinheiro vai para o consórcio, nada ficando com o Poder Público. 

06/1/2011 — Documento entregue à governadora Rosalba Ciarlini apontava que estudo sobre qualidade do ar — que deveria ser feito, pelas normas do Conama — não foi executado. 

07/1/2011 — Procurador-geral de Justiça do RN, Manoel Onofre Neto, convoca reunião com a promotora do Centro de Apoio às Promotorias de Justiça da Cidadania, Daniele Fernandes, para discutir o tema diante da grande repercussão; carta de leitor da TRIBUNA DO NORTE provoca atitude da PGJ-RN; governadora Rosalba Ciarlini solicita à Procuradoria-Geral do Estado que faça estudo minucioso do contrato.

08/1/2011 — Governadora assina documento suspendendo por 45 dias o contrato firmado entre o Detran e a empresa Inspar e, portanto, as inspeções. Rosalba Ciarlini atende à recomendação do Ministério Público Estadual.

11/1/2011 — Reportagem mostra que planilha de custos usada como base para a aprovação do valor cobrado pelas inspeções veiculares no RN não estava anexada aos documentos entregues pelo consórcio Inspar e Detran-RN.

13/1/2011 — Comissão analisa contrato entre Inspar e Detran. Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor solicita informações, inclusive documentos, aos órgãos públicos e ao consórcio;  Ministério Público pede oficialmente apresentação da planilha de custos ao consórcio Inspar.

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